CAMERA DEI DEPUTATI di ROMA ore 16.30
AMILCAR CABRAL
O político que queria ser poeta
de Corsino Tolentino
Com este texto, pretendemos revisitar o conceito cabraliano de libertação nacional como acto de cultura. O conceito é uma espécie de fio de Ariana guiando-nos no pensamento reflexivo de Amílcar Cabral, um homem afável e profundo, um teórico com sentido prático e também um político original que viveu e agiu entre o rigor do cientista, que foi, e a liberdade do poeta, que queria ser.
A coerência eficaz foi a marca do seu percurso. O seu pensamento e a sua a acção influenciaram a Ciência Política na segunda metade do século passado e projectam-se no presente mais ou menos nebuloso dos Países Africanos de Língua Portuguesa, da África e do Mundo.
Dividimos a visita à memória de Amílcar Cabral em cinco momentos: (1) das origens guineenses à afirmação da cabo-verdianidade; (2) da cabo-verdianidade africanaa uma nova visão do mundo; (3) do seu regresso peculiar ao país natal; (4) da função da cultura na sua obra; (5) a ambivalência ou o desconforto criativo na Guiné-Bissau e em Cabo Verde de hoje.
Das origens guineenses à afirmação da cabo-verdianidade
Como a relação entre a flor e a planta que o seu passado de filho de pais rurais e de agrónomo lírico gostava de invocar, o fundador do Partido Africano da Independência (PAI), em 1956, e do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), a partir de 1960, Amílcar Cabral foi moldado pelas circunstâncias e os acontecimentos da sua época.
Juvenal Cabral, o pai, foi um modesto professor primário sem diploma, como o próprio gostava de afirmar, um pequeno proprietário rural num arquipélago de chuvas raras, um sensível cronista social nas horas vagas, em síntese, um fruto típico da decadência da sociedade escravocrata que os portugueses, sem dúvida pioneiros da globalização, criaram nas ilhas de Cabo Verde a partir do tráfico transatlântico dos séculos XV-XIX.
Desde criança, Juvenal Cabral errou entre o seminário de Viseu, em Portugal, e de São Nicolau, em Cabo Verde. Abandonado o projecto inicial de estudos eclesiásticos, provavelmente por falta de suporte económico e, também, de vocação, deixou os seminários antes de concluir a formação secundária laica que também se ministrava naquele estabelecimento de São Nicolau e, acossado pelas secas e a fome, fez, em 1911, no conturbado período da implantação da República Portuguesa, o que muitos cabo-verdianos sempre tentaram fazer em situações similares: emigrou, no caso, para a Guiné-Bissau.
Foi aí que conheceu a D. Iva, sua futura esposa, também nascida em Santiago de Cabo Verde. Depois de deambular pelas matas da Guiné onde ganhava a vida combatendo o analfabetismo, numa luta entre um anão e um gigante, Juvenal Cabral foi transferido para o burgo de Bafatá onde no dia 12 de Setembro de 1924 nasceria o menino Amílcar Lopes Cabral. Porém, em 1932, algo desiludida com a vida errante de imigrantes em terra pobre, a família Cabral regressou ao país natal. O Amílcar tinha 8 anos de idade.
Entretanto, a Primeira República sucumbira em 1926 e a ditadura de António de Oliveira Salazar encontrava-se na rampa ascendente. Quando, em 1940, Cabo Verde sofreu uma das maiores secas e consequente mortandade da sua história, durante a qual perdeu mais de 10 por cento da sua população, a II Grande Guerra tinha eclodido. Um ano mais tarde, tropas expedicionárias ocuparam os portos das ilhas de Santiago e São Vicente, assim como o aeroporto da ilha do Sal, por sinal, criado pelos italianos como traço de união entre as duas margens do Atlântico. A seca, a fome, a guerra, a ocupação militar e a emigração caracterizavam o ambiente socioeconómico e político no qual o futuro líder crescia.
Feita a quarta classe da escola primária na cidade da Praia, capital do arquipélago, o casal enviou o filho adolescente para a cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, onde desde 1917 o único liceu da colónia tinha substituído o seminário da ilha de São Nicolau, cadinho da nossa primeira elite intelectual com visão e dimensão nacionais, apesar de ter começado pela afirmação da identidade cultural regional no contexto do império português.
Deve, todavia, notar-se que a assunção da especificidade regional quando o discurso político oficial do Estado Novo era em defesa do Portugal uno do Minho a Timor revelava uma certa ousadia dos escritores e artistas que fundaram o movimento mais conhecido através da literatura da revista Claridade, a partir de 1936. Para sustentar o filho, a mãe teve de procurar um modesto emprego numa fábrica de conserva de peixe. Excelente aluno no liceu nacional de São Vicente, o único no arquipélago, Amílcar Cabral começou a manifestar as suas preocupações políticas e sociais através da poesia e da ficção.
Essas eram as vias de expressão das primeiras inquietações do patriota em gestação, mas foi em Portugal, onde foi estudar agronomia, certamente influenciado pelo meio físico e social, que a cultura apareceu como simbiose do homem e da lírica, ambos recusando a assimilação colonial para afirmar a cabo-verdianidade no contexto africano. Léopold Sédar Senghor sublinha essa evolução de Amílcar Cabral citando versos seus de um poema publicado, segundo Mário de Andrade, em 1946:
…Não, Poesia,
Não te escondas nas grutas do meu ser
Quebra as grades invisíveis da minha prisão
Abre de par em par as portas do meu ser
E vai para a luta
A vida é luta
Os homens lá fora chamam por ti,
E tu, Poesia, tu és também um Homem.
Sem perder as origens de guineense descendente de cabo-verdianos, sempre empenhadamente ajudado pelos pais, Amílcar Cabral adquiriu, através da escola primária na ilha de Santiago e do liceu na ilha de São Vicente, o verdadeiro sentido dos conceitos de diáspora e transnacionalização. Nele, Cabo Verde é uma parte peculiar de África e o conteúdo e sentido de cabo-verdianidade ultrapassam e enriquecem as ilhas.
Levar os cabo-verdianos a conhecerem Cabo Verde no tempo do liceu e, mais tarde, mobilizar emigrantes e descendentes de emigrantes cabo-verdianos e guineenses para a luta de libertação nacional foram consequências previsíveis da sua fidelidade às origens e do fincar os pés no chão durante a adolescência e a juventude. Ouso afirmar que sou, com os meus defeitos e virtudes – sempre haverá algumas – um produto reflectido desse processo de enraizamento e construção da opção cabraliana de fincar os pés no chão para desafiar as estrelas.
Da cabo-verdianidade africana para uma nova visão do mundo
Feito agrónomo em Lisboa, Amílcar Cabral regressou a Cabo verde em 1950 para continuar a missão de fazer conhecer a terra e a gente aos cabo-verdianos. Pouco tempo depois partia à descoberta de Angola integrado num grupo de reflexão liderado por Viriato da Cruz.
Na verdade, durante os estudos universitários, com uma atitude sempre crítica, lia autores progressistas de diversas correntes de pensamento, marxistas, em particular. Igualmente, os intelectuais da Negritude, das Caraíbas, dos Estados Unidos da América e de África, especialmente o poeta Léopold Sédar Senghor.
Nos anos 50 e 60 do século passado, os estudantes universitários das colónias portuguesas organizavam-se em dois campos opostos: por um lado, os colonos e os assimilados em defesa da ordem e a continuação do sistema de dominação e, por outro, os patriotas empenhados na descoberta de si enquanto membros das comunidades nacionais e sujeitos dos direitos humanos universais.
Foi a década da emergência de grandes líderes panafricanistas, tais como Patrice Lumumba, Kwame N’Krumah, Julius Nyerere e outros e, também, das primeiras independências na região africana. O ambiente do pós-guerra reflectia no ar a síntese das contradições vividas por colonizadores e colonizados nas trincheiras comuns da luta anti-nazi. Em síntese, esse período foi caracterizado pela convergência das seguintes dinâmicas:
Movimento de descoberta de si protagonizado pelos estudantes oriundos das emergentes classes médias das colónias, em regra com o estatuto social de assimilados, enquanto parte e eventual vanguarda intelectual dos respectivos povos;
Internacionalização dessa tomada de consciência de elites e povos, através da participação em debates nos quais se envolviam as forças progressistas das potências coloniais, das nações livres e dos povos em luta pela autonomia política;
Participação unitária dos estudantes das colónias portuguesas no primeiro congresso dos escritores e artistas negros realizado na Sorbonne, em 1956, e na revista Présence Africaine como estratégia para romper o muro de silêncio que até muito tarde cercou “o mundo que o português criou” e o Estado Novo vendia como podia;
Publicação do primeiro Caderno de Poesia Negra de Expressão Portuguesa, inspirado na Negritude e organizado por dois nacionalistas de grande estatura intelectual e proporcional influência nos meios progressistas de várias latitudes: Francisco José Tenreiro, de São Tomé e Príncipe, e Mário de Andrade, de Angola;
Organização dos embarcadiços das colónias portuguesas no famoso Clube dos Marítimos, com sede em Lisboa e ampla influência nos navios das Companhias Coloniais de Navegação e na difusão da mensagem da libertação forjada no Centro de Estudos Africanos e outros fóruns;
Autonomização na solidariedade dos movimentos nacionalistas das colónias portuguesas em relação aos movimentos progressistas metropolitanos.
No percurso da cabo-verdianidade africana para o mundo, Amílcar Cabral mostrou três originalidades em relação aos revolucionários do seu tempo: primeiro, a cultura como elemento essencial e catalisador das energias libertadoras; segundo, a necessidade de um partido político com carácter instrumental e a finalidade de ultrapassar o objectivo imediato e imprescindível da independência nacional formal e justificar-se na transformação social e incessante procura do bem-estar geral e, finalmente, o carácter universal da liberdade com expressão concreta nas condições de vida e nas relações entre as pessoas, as classes sociais e os povos.
Um regresso peculiar ao país natal
O engenheiro agrónomo que regressa ao país natal traz na bagagem uma visão do mundo como aldeia global e desigual e a vontade de contribuir para a sua transformação no sentido da justiça e do progresso para o maior número possível de pessoas. Dois dilemas resumem as principais preocupações do Amílcar Cabral, político e, também, agrónomo:
Primeiro, para ser livre, a elite ou a pequena burguesia da colónia tem de recusar os privilégios da assimilação à cultura colonial, tendo, de certo modo, de suicidar-se simbolicamente, para se identificar com o seu povo em luta, ou seja, para existir tem de aceitar morrer; segundo, a cultura de um povo é a base da sua identidade, do seu ser. E isto quer dizer que para eliminar a cultura de um povo seria preciso liquidar o próprio povo, o que seria um contra-senso porque retiraria ao sistema colonial a sua própria razão de existir.
Estes temas e dilemas são dos mais controversos do pensamento filosófico, político e militar de Amílcar Cabral. No meu entender, a libertação nacional como acto de cultura marcou profundamente a segunda metade do século XX e continua a influenciar a formação e a acção de muitos africanos que lutam com sinceridade e coerência pelos valores da liberdade e pela democratização da sociedade nas antigas colónias portuguesas, em África e no mundo.
Por outro lado, é verdade que, em geral, a pequena burguesia recusou suicidar-se para renascer no povo, mas uma parte dela aceitou a proposta de certo modo radical de Amílcar Cabral, combateu com ele o colonialismo na sua forma mais óbvia e, o que é muito importante, continua a lutar pelos objectivos fundamentais da libertação: a realização dos direitos universais do ser humano onde quer que esteja.
A função da cultura ontem e hoje
Já vimos que o percurso de Amílcar Cabral tem a tripla marca da cultura, da pedagogia e da política com princípios e finalidades. A cabo-verdianização, a reafricanização e a universalização dos espíritos são etapas de um mesmo processo, tendo como fio condutor a liberdade, como actor o povo liderado por partidos políticos e outras forças de libertação e como finalidade a realização do bem-estar do maior número possível, através do trabalho honesto e solidário.
O legado de Amílcar Cabral ainda é o principal referencial filosófico e cultural dos cabo-verdianos nas ilhas e na diáspora. Concordando ou discordando com este ou aquele aspecto do seu legado, todos os criadores e críticos a ele se referem explicitamente ou não. Fale-se da política linguística, da literatura, da música, das artes plásticas, do teatro, dos audiovisuais, da comunicação, da historiografia ou da ciência política.
Mas não é só na Guiné-Bissau e Cabo Verde, as primeiras terras de Amílcar Cabral, que se pode verificar este fenómeno. O próprio conceito de Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), essencialmente diferente da ambígua noção de comunidade lusófona, tem na origem a marca cabraliana.
Ambivalência na Guiné e em Cabo Verde
Amílcar Cabral afirmou que a libertação nacional é a única resolução do dilema da dominação pela assimilação ou a negação do dominado pela exterminação, mas nunca disse que seria fácil. Ambas as fórmulas – assimilação e exterminação – foram ensaiadas ao longo da História e nenhuma teve sucesso definitivo. A cultura é a última fonte de resistência e de esperança e, neste sentido e no fim de tudo, a libertação redunda num acto de cultura essencial.
Guiné-Bissau e Cabo Verde são países com perfis geográficos, económicos, históricos e políticos diversos. No primeiro, o projecto de nação que a luta de libertação forjou foi tragicamente retardado pela violência contra o Estado de Direito e os direitos das pessoas. No segundo, a nação precedeu o Estado e a educação ajudou a desenvolvê-lo, sem que casos de violência extrema se tenham verificado.
Os efeitos materiais, psicológicos, sociais e políticos da guerra colonial foram mais catastróficos na Guiné-Bissau e nem sempre foi possível conciliar os interesses das antigas metrópoles na sub-região da África Ocidental com o direito do povo à felicidade.
A globalização acelerada trouxe com numerosas vantagens técnicas, económicas e culturais grande confusão ideológica e política que os oportunistas souberam agarrar em nome da liberdade e da democracia, mas realmente a favor dos seus negócios frequentemente ilícitos. Embora desigualmente, essa confusão tem favorecido o oportunismo em Cabo Verde e na Guiné-Bissau. Daí a ambivalência e, às vezes, o desconforto de uns e outros face ao legado de Amílcar Cabral.
Creio, no entanto, que o seu exemplo e a sua obra ainda são o principal referencial filosófico e político dos cabo-verdianos e guineenses, sejam quais forem as preferências ou filiações partidárias. Essa ética e essa estética alimentam a esperança em dias melhores nas pátrias gémeas de Amílcar Cabral e em África. Numerosos trabalhos académicos que têm surgido em todos os continentes sobre o renascimento africano e os muitos jovens de todo o mundo que descobrem e valorizam o pensamento cabraliano justificam o nosso optimismo pró-activo.
6. Post-scriptum
Sinto-me muito honrado e, também, emocionado com o Prémio Amílcar Cabral, que acaba de me ser atribuído nesta Câmara dos Deputados, tão cheia de livros e memórias, e cuja beleza se confunde com a estética da acção democrática. Dificilmente teríamos encontrado lugar mais apropriado para invocar Amílcar Cabral e Lélio Basso.
Cumprimento calorosamente Piero Gamacchio, meu companheiro de fortuna, e Luís Moita, nosso companheiro de jornada. Peço licença à fundação Lélio Basso e ao movimento cultural Tabanka para dedicar esta distinção, este prémio Amílcar Cabral:
1 Ao povo de Cabo Verde, por intermédio dos seus embaixadores José Eduardo Barbosa e Ana Paula, a quem agradeço a presença amiga, e ao povo da Guiné-Bissau, pela voz e a pena do Professor Filomeno Lopes e outros patrícios que partilham connosco este grande momento;
2 A Bertina Lopes, Bruna Amico e Linda Bimbi, estas mulheres de rara beleza, infinitos combates e muitas vitórias, cujo exemplo raro continua a iluminar o caminho da juventude em diversas partes do Mundo;
3 Às cabo-verdianas e aos cabo-verdianos na Itália, que pelo estudo empenhado, o trabalho abnegado e profundo sentido de honradez vencem, pouco a pouco e de geração em geração, as principais causas da sua emigração e contribuem para o progresso de todos, muitas vezes com mais do que pensam;
4 Finalmente, a Associazione Baobab, Centro Riflessione Africani (CRA), Associazione Kellam, Tam Tam Villane, Associazione Nyeliti, Associazione Amici di S. Nicolau, Caboverdiania, Movimento degli Africani a Roma e aos seus parceiros italianos, assim como de outros países.
Prossigamos, porque a meta que é mais felicidade para o maior número possível ainda está longe, mas vale a pena, meus amigos!
Roma, Câmara dos Deputados, 11 de Outubro de 2007
Corsino Tolentino
*************************************************************************************
*************************************************************************************
Centro Policulturale Baobab
via Cupa n. 5 - dalle ore 17.30
H o m e n a g e m a o
“ M o v i m e n t o c l a r i d o s o ”
Santos Lopes che furono tra i fondatori della rivista CLARIDADE, pietra miliare della moderna
letteratura capoverdiana. Nel primo centenario della loro nascita le associazioni capoverdiane
a Roma in collaborazione con due associazioni italiane, Scritti d’Africa e Arquipelago
OS CLARIDOSOS
IL CENTENARIO
Luis da Silva Scrittore e Sociologo - Presentazione delle prime riviste storiche
Enzo Barca Docente Università la Sapienza – Baltazar e Manuel Lopes
Simone Celani Docente Università la Sapienza – Dal classicismo al Realismo
Anna Fresu Presidente Scritti d’Africa – Orlanda Amarillis: visione femminile
Coordina l’incontro
Jorge Canifa Alves Presidente Tabanka onlus
Mostra fotografica di
Paolo Beltrame – Roma Capoverdiana
Accompagnamento musicale:
Binù, Jessica Costa, Adão Ramos, Laurent
Associazioni Organizzatrici
Tabanka onlus, Caboverdemania, Scritti d’Africa, Os Amigos de S. Nicolau, Ass. Cult. Criola, OMCVI, Arquipelago, Morabeza
INFO e UFFICIO STAMPA
Francesca Vitalini - cell. 3393300878
mail: francesca.vitalini@tin.it
TABANKA ONLUS
Tel. 339 1737455- 3470800958
si ringraziano:
Congresso dos Quadros CaboVerdianos da Diaspora, Ambasciata della Repubblica di Capo Verde in Italia, República de Cabo Verde GABINETE DO MINISTRO DA CULTURA
Nessun commento:
Posta un commento